Edição: 288

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/11/21

Opinião

A Luta Continua

Ângelo Alves

Os resultados das recentes eleições legislativas conduzem-nos a várias reflexões que vão muito pra lá da simples contabilidade eleitoral.

É necessário em primeiro lugar aprofundar a essência e o conteúdo das opções políticas que estiveram em confronto nestas eleições, algo que infelizmente esteve muito arredado da discussão mediática durante a campanha eleitoral e que foi centrada numa mera discussão de “cenários” partidários despidos de opções políticas concretas.

E para analisar essa questão é necessário voltar a Outubro de 2015, na noite eleitoral, quando o Secretário-Geral do PCP afirmou “o PS só não será governo se não quiser”. A postura do PCP que deu expressão à vontade da maioria dos portugueses, permitiu a interrupção da acção do Governo PSD/CDS de Passos e Portas. Mas fez mais, tentou, a partir dessa premissa, usar a correlação de forças institucional alcançada nessas eleições a favor dos trabalhadores e do povo, obrigando o PS, que estava pronto para atirar a toalha ao chão, a actuar não poucas vezes contra a sua própria matriz e opções políticas.

Não foi o PS que nos salvou da terrível acção de um Governo que tinha a austeridade, os cortes salariais, a regressão de direitos laborais e sociais e o ataque directo à constituição, como sua matriz de actuação, foram o PCP e a CDU que “viraram o tabuleiro do jogo”. Se os feriados e os salários foram repostos, se voltámos a ter o subsídio de férias e de natal por inteiro e se foram travadas ou revertidas algumas das privatizações isso deve-se à iniciativa e proposta do PCP e do PEV e não do PS. Tal como se deve à sua iniciativa alguns avanços, insuficientes é certo, como o aumento do Salário Mínimo Nacional, o aumento das reformas, os transportes públicos mais baratos, os manuais escolares gratuitos e mais recentemente as creches gratuitas, entre várias outras.

Foi com base em princípios e no seu inquestionável compromisso com os trabalhadores e o povo que o PCP e PEV actuaram tentando levar o mais longe possível o alcance da solução política encontrada lutando por respostas a vários problemas que resultam de décadas de políticas de direita. Mas o PS não quis ir mais longe. Quando as propostas do PCP começaram a determinar um maior grau de confronto com os interesses dos grandes grupos económicos e com as directivas da União Europeia, quando a União Europeia deixou claras as condições de aplicação dos fundos do PRR, e quando, após 2019, o PS sentiu que poderia tentar libertar-se da pressão do PCP e do PEV, decidiu criar uma “crise política” rejeitando as propostas do PCP para o Orçamento do Estado.

O PS sabia e sabe que o PCP age sempre com base em princípios e que, portanto, nunca poderia viabilizar um Orçamento que não iria dar respostas necessárias e urgentes, que iria aprofundar problemas, como no SNS, e que estava desenhado para o favorecimento de interesses que não os dos trabalhadores (veja-se por exemplo a reacção da CIP e dos Banqueiros a esse Orçamento e à maioria absoluta do PS), nomeadamente no plano fiscal, dos rendimentos do trabalho, e dos critérios de investimento público. Ou seja, o PCP sabia que a decisão de, mais uma vez, agir com base em princípios e no conteúdo concreto do que se vota, lhe poderia ser prejudicial em termos eleitorais, mas agir de outra forma seria destruir o património de seriedade e coerência que caracteriza este Partido centenário.

Em suma, foi o PS que decidiu terminar com a solução política encontrada em 2015 e libertar-se daquilo que Augusto Santos Silva apelidou de “lógica da chantagem”, termo elucidativo do “carinho” com que no seu interior o PS tratava a solução política encontrada em 2015. Acabar com a “geringonça” interessava ao PS e ao seu calculismo eleitoral, mas também aos grandes interesses económicos, e aos seus defensores, incluindo alguns partidos de direita e ao Presidente da República.

O resto foi público e notório. A campanha eleitoral foi uma sucessão de manipulações perigosas para a democracia. Desde a mentira das responsabilidades do PCP e a dramatização da crise política, ao agigantamento do perigo da direita, passando pela vitimização do PS, a promoção de forças com menor implantação, o “muro de silêncio” e de menorização mediáticos montados em torno da CDU, a manobra manipuladora do “empate técnico”, as sondagens diárias, a discriminação dos debates, tudo serviu para recuperar o que em 2015 se tinha derrotado: a bipolarização e a ideia de uma eleição para primeiro ministro, associada desta vez à ideia da “estabilidade” e da “inevitável penalização” dos “criadores da instabilidade”, ou seja o PCP e outras forças de esquerda.

Não escamoteando insuficiências próprias, é uma evidência que as perdas da CDU se deveram de forma esmagadora ao voto “útil” no PS para impedir o “regresso da Direita”, altamente agigantado pelas sondagens e “aditivado” com o “perigo” da extrema-direita participar no Governo do País. O principal problema, como a CDU sempre alertou, é que esse voto é tudo menos “útil”, pois o PS com maioria absoluta irá embarcar num novo período de políticas de direita. Ao contrário o voto na CDU teria sempre contado para derrotar o PSD e seus sucedâneos, mas também derrotar as políticas de direita, nomeadamente aquelas que levaram o PS a criar uma crise política.

Com estes resultados eleitorais, Portugal não ficou melhor e os trabalhadores e o povo não ficam com mais garantias de respeito e compromisso com os seus direitos, interesses e aspirações. Basta ver as declarações do patrão dos patrões, e dos banqueiros, para perceber que se algo mudou não foi no seu interesse. O PS poderá até aparecer, como já o está a fazer, como um feroz adversário da extrema-direita, mas essa determinação pode funcionar como uma cortina de fumo para políticas de favorecimento do grande capital. Mas como sempre afirmámos, e como foi visível nestas eleições, a extrema-direita alimenta-se de problemas, injustiças e retrocessos nos direitos. Portanto o verdadeiro combate a estas forças está, mais uma vez, na essência das políticas.

Os resultados da CDU não são positivos, apesar de demonstrar uma capacidade de resistência, nomeadamente no Distrito de Leiria, superior a outras forças de esquerda. Isso não é desligável do facto de as forças da CDU terem uma organização e uma influência social que para lá da sua influência eleitoral.  É por isso que, apesar dos resultados, o PCP está em condições de prosseguir e mesmo intensificar a intervenção em defesa das aspirações e dos interesses dos trabalhadores e do povo.

Usaremos a nossa força institucional como sempre fizemos, articulando-as com a luta de massas, em cada rua, cada fábrica, cada bairro, onde seja necessário estar ao lado dos trabalhadores e das populações e combater, na linha da frente, os projectos reaccionários e antidemocráticos. Os trabalhadores e o povo do Distrito de Leiria e do nosso País podem contar, como sempre, com este Partido centenário, Partido da resistência ao fascismo durante meio século, Partido da Revolução de Abril, Partido das conquistas democráticas e dos avanços sociais. A luta continua.

     Ângelo Alves
Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP
Responsável pela Organização Regional de Leiria do PCP

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