Edição: 288

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/11/21

Opinião

Paisagem Protegida da Serra de Montejunto: protegida de quê?

Quando passam 23 anos desde a criação da Paisagem Protegida da Serra de Montejunto (instituída pelo Decreto Regulamentar n.º 11/99 de 22 de Julho), sem que qualquer trabalho de conservação tenha sido realizado e sem que haja ainda uma gestão regulamentar, perguntamo-nos de que foi afinal Protegida esta Serra?

Segundo o inventário florestal apresentado no projeto do Plano de Ordenamento e Gestão da PP, datado de 2011 – que nunca foi publicado em Diário da República e nunca entrou em vigor – a área de povoamentos de eucalipto era, nessa altura, de 893,4ha, a que correspondia 17,5 por cento da Paisagem Protegida (se contabilizadas as áreas de povoamento misto e de acácias, é um pouco mais). Desde então, as plantações de novos povoamentos de eucalipto não têm parado, sobretudo em terrenos agrícolas “encravados” entre os imensos baldios geridos pelo ICNF ou por compartes, sendo assim criada em Montejunto uma mata contínua, com cada vez menos aceiros e espaço de corta-fogo – o que dificulta as possibilidades de controlo de incêndios, priva os bombeiros de zonas de refúgio, em caso de necessidade e expõem-nos e aos equipamentos a maiores riscos.

Os eucaliptos são uma espécie exótica altamente ignífuga que apresenta a particularidade de emitir projeções à distância, fatores que certamente contribuíram para que o Regime Jurídico Aplicável às Ações de Arborização e Rearborização proíba, desde a sua revisão de 2017, ações de arborização com árvores desta espécie em espaços da Rede Nacional de Áreas Protegidas e da Rede Natura 2000. Montejunto beneficia de ambos os estatutos, mas, isso não tem sido suficiente para a proteger de ações de florestação com eucaliptos, mesmo em datas posteriores a esta revisão. Acresce que a área de eucaliptos autorizada para o município do Cadaval (5362ha – Portaria n.º 18/2022) está esgotada há muito, pelo que a conclusão evidente é que, mesmo povoamentos realizados antes de 2017 estão ilegais e a sua plantação só tem sido possível porque, nem a Câmara Municipal do Cadaval, nem a Direção da Paisagem Protegida, nem o ICNF fazem nada para as impedir.

Montejunto também não está Protegida da agressão dos desportos motorizados, como foi recentemente demonstrado com a realização de uma etapa do rali de Lisboa em pleno coração da Serra, território da Rede Natura e zona florestal. O ruído, a velocidade e a agitação causados por este tipo de desportos, constituem fatores de perturbação e de risco para a vida selvagem, incompatíveis com os objetivos de conservação subjacentes a uma Área Protegida e à Rede Natura e, por isso, são condicionadas à autorização prévia do ICNF. Será que esta instituição autorizou a realização de um rali em plena Rede Natura? Não haverá na região de Lisboa mais estradas com curvas?

A Comissão Diretiva da Paisagem Protegida também tem de autorizar a realização deste tipo de desportos, mas, a avaliar pelo contentamento gerado nas Câmaras Municipais, é de presumir que o fez de bom grado.

No dia 19 de junho, em que se realizou esta etapa, registaram-se elevadas temperaturas em vários distritos do território continental. As temperaturas elevadas aumentam os riscos de incêndios florestais, o que levou a que o acesso, circulação e permanência na serra de Montejunto tenha sido vedado recentemente, devido a risco elevado, muito elevado e máximo de incêndio – situação que se mantém. Realizar um rali dentro de uma zona florestal integrada numa Área Protegida no mês de junho, com as temperaturas que se faziam sentir e o nível de secura que a vegetação apresentava, é uma atitude de bom senso?

Criada há 23 anos, a Paisagem Protegida de Montejunto nunca teve uma gestão regular. Não é só pela falta do Plano de Ordenamento e Gestão, que o ICNF nunca teve vontade de criar; o Conselho Consultivo, um dos dois órgãos inerentes ao funcionamento da Paisagem Protegida, não reúne há 20 anos – a própria Rede Natura da Serra de Montejunto, constituída no ano 2000, também tem estado todos estes anos sem Plano de Gestão, o que levou o grupo parlamentar do Partido Socialista e o grupo parlamentar de Os Verdes a apresentarem Projetos de Resolução, já no final da legislatura, a recomendar ao governo a elaboração destes Planos.

Entretanto, em 2019, foi publicada legislação (DL 116/2019) que cria um novo modelo de gestão das áreas protegidas, designado cogestão, que pretende implementar a participação das Câmaras Municipais na gestão destas áreas. Na verdade, sendo Montejunto uma Área Protegida de Âmbito Regional, a sua gestão já é repartida entre as Câmara Municipais do Cadaval, de Alenquer, e o ICNF, pelo que, neste aspeto, o novo modelo não constitui grande novidade. No entanto, a Paisagem Protegida não tem ainda Plano de Ordenamento e Gestão, o que pode ser desbloqueado por este novo modelo, que atribui às Direções das Áreas Protegidas a capacidade de promover a elaboração destes Planos.

Todavia se a Paisagem Protegida nunca teve uma gestão regular, já que o Decreto que a institui não é cumprido, também não está em regime de cogestão, porque as formalidades necessárias à adesão a este modelo não foram cumpridas, nem os respetivos órgãos de gestão constituídos.

23 anos depois da sua criação, a Paisagem Protegida de Montejunto é um condomínio do ICNF e das Câmaras Municipais do Cadaval e de Alenquer, que a gerem como bem entendem, sem consideração pela legislação inerente ao funcionamento das áreas protegidas e sem atividades de conservação.

No território do município de Alenquer existem duas áreas protegidas, Montejunto e o Canhão Cársico de Ota. e, o seu funcionamento não podia ser mais contrastante. No Canhão Cársico, os objetivos estão bem definidos, desenvolve-se trabalho de conservação e o funcionamento institucional é regular. Quanto a Montejunto, é o que se descreve.

Alenquer, 22 de julho de 2022

A Direção da Alambi

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