Edição: 281

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/4/28

António Costa comparou Mamadou Ba e André Ventura em entrevista ao “Público”

SOS Racismo critica comparação do primeiro-ministro entre antirracismo e xenofobia

António Costa

No dia 4 de março, António Costa, na qualidade de primeiro-ministro (PM) deu uma entrevista ao Jornal Público onde se referiu a “uma fratura perigosa” que está a “criar-se de forma artificial”. De um lado colocou aquilo a que se referiu como um processo de “revisão auto-flageladora da nossa História” e, por outro, “reações racistas e xenófobas”. Mais adiante contrasta um ativista antirracista (Mamadou Ba) e um dos principais protagonistas da extrema-direita (André Ventura), tratando-os como proporcionais. Segundo o PM, estes são dois extremos e “autoalimentam-se”.

Segundo a associação SOS Racismo, “tendo a oportunidade de se pronunciar acerca de um dos principais debates do espaço mediático e político atual, o PM reduz a luta antirracista e as suas reivindicações e, simultaneamente, subestima e desvaloriza a ameaça do crescimento dos ideários do nacionalismo colonial, sugerindo ainda que o antirracismo pode ser responsável por gerar racismo e xenofobia.”

Para a associação antirracista fundada a 10 de dezembro de 1990, “a principal preocupação do PM António Costa, parece recair na ameaça que o processo de disputa e pluralização das narrativas sobre o período colonial coloca à “identidade” e à imagem de Portugal, na sua “relação com o mundo”, em particular o “mundo Lusófono”.

Assim, “num momento em que se assiste a uma empenhada tentativa de reativar o orgulho colonial ultramarino e de reafirmar as campanhas propagandistas do lusotropicalismo, as afirmações do PM colaboraram para os fantasmas e divisões que têm desviado a atenção do essencial e alimentado a antagonia para com o movimento antirracista. Tem-se assistido a uma tentativa concertada de reduzir as prioridades as revindicações antirracistas à intenção de agredir e destruir património ou a memória e à intenção de ofender ou ignorar protagonistas da história e cultura nacional”, alerta a associação.

Segundo a SOS Racismo, “a mensagem deixada pelo PM de algum modo valida estas ameaças e preocupações como legítimas, parecendo reafirmar a necessidade de manter defendida a identidade nacional, com base numa imagem impoluta do colonialismo português, mesmo que tal implique fabricar ou amputar a história. Se não é este o seu pensamento, teria sido muito oportuno o PM aproveitar o facto de ter sido interpelado sobre o assunto para nos esclarecer.”

Para a associação fundada por José Falcão, “o que precisávamos de saber era que papel atribui o PM à necessidade de proteger as vítimas do colonialismo da revitimação a que o esquecimento, o desmentido e a fabricação lusotropical as sujeita. Qual o seu comprometimento para com a desconstrução dos imaginários que continuam a criminalizá-los e a inferiorizá-los. Quão empenhado está em conhecer o racismo, para lá daquela que diz ser a sua “experiência pessoal”, e de o reconhecer como estrutural.”

Por outro lado, “o PM não deixou de deduzir a existência de racismo na forma como foi interpelado a 25 de janeiro 2019, pela então líder do CDS, num debate na Assembleia da República sobre os acontecimentos do bairro da Jamaica, perguntando-lhe: “deve ser pela cor da minha pele que me pergunta?”. Acreditará o PM que a sua experiência enquanto “pessoa de origem indiana”, pese embora a sua pertença a uma elite, com posição na esfera do poder financeiro, partidário e governativo, lhe permite deduzir o racismo que “existe ou não existe na sociedade portuguesa”? Se até pessoas na sua posição privilegiada são suscetíveis de sofrer racismo, como pode o PM desvalorizar a dimensão do racismo na sociedade portuguesa?, questiona.

O último European Social Survey (ESS) de 2018/2019 não deixa, infelizmente, margens para dúvidas: 62% dos portugueses manifestam racismo, 32% dos quais ainda acredita na superioridade biológica e cultural, e apenas 11% discorda integralmente de crenças e estereótipos racistas.

Segundo a associação dirigida por José Falcão, “António Costa, na qualidade de PM, comparou ainda o que não pode ser comparado. Comparou a luta por uma sociedade sem obstáculos, pela defesa dos direitos de todas e todos, incluindo pelos direitos à memória passada e futura, à dignidade e à cidadania plena, ao ultra-reacionarismo e ao fascismo. O simbolismo de considerar que um negro antirracista está no mesmo plano moral e de validade política que o racismo e o fascismo é fortíssimo e muito preocupante! E foi isto que escutamos com perplexidade e deceção.”

Segundo a SOS Racismo, “o PM não foi capaz de se pronunciar sobre as ameaças e os sistemáticos ataques racistas de que é alvo um cidadão nacional, falhando assim a sua responsabilidade de estado na defesa de todos os cidadãos, independentemente dos seus posicionamentos políticos. A estratégia de isolar o antirracismo ou de o equiparar ao fascismo só reforçará o racismo e a sua banalização. O Racismo não passa a existir porque falamos nele. O PM devia sabê-lo. O Racismo existe e é por isso que temos que falar dele e que descodifica-lo. A fratura é real e produz vítimas diariamente, infelizmente.”

A SOS Racismo recorda que passaram 6 dias desde a entrevista do PM ao Público e não o voltámos a ouvir, “apesar da onda de indignação que as suas declarações geraram. Será o PM capaz de nos representar perante a urgência de superar esta fratura? É esta a questão com que o SOS Racismo assume a responsabilidade de interpelar o primeiro-ministro António Costa.”

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