Edição: 299

Diretor: Mário Lopes

Data: 2025/10/25

Nobel da Literatura em 2003 esteve esta sexta-feira na Tenda Vila Literária

Prémio Nobel Coetzee critica Trump no FÓLIO por glorificar os colonizadores americanos

J. M. Coetzee, prémio Nobel da Literatura em 2003

O escritor sul-africano J. M. Coetzee, prémio Nobel da Literatura em 2003, afirmou, esta sexta-feira, dia 17 de outubro, no FÓLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, que o discurso de tomada de posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América foi um “insulto”, ao invocar o “carácter excecional” dos colonizadores norte-americanos, que “avançaram por milhares de milhas através de uma terra acidentada e selvagem” para conquistar território, omitindo que neles viviam aborígenes. “Falou como se o continente não estivesse habitado, nem os antepassados merecessem uma menção”, denunciou J. M.Coetzee.

“Como é que os indígenas ouviram as palavras de Trump? Numa perspetiva de exclusão. Os ameríndios estão ausentes do discurso”, comentou. “A administração Trump está a empreender uma guerra contra a história não oficial das minorias, ao conferir um carácter excecional aos americanos”, acusou.

Convicto de que quem escreveu o discurso do presidente quis provar que a “Tese da Fronteira”, do historiador Frederick Jackson Turner, de que “a expansão para o Oeste [colonização] foi um caminho de progresso”, está “bem viva”, leu um excerto da intervenção de Trump. “Atravessaram desertos, escalaram montanhas, enfrentaram perigos inimagináveis, conquistaram o Velho Oeste, aboliram a escravidão, libertaram milhões da tirania, tiraram biliões da pobreza, dominaram a eletricidade, dividiram o átomo, lançaram a humanidade aos céus, e colocaram o universo do conhecimento humano na palma da mão.”

Orgulho e vergonha

O prémio Nobel da Literatura acrescentou que Hollywood também adotou essa tese, referida por Trump no discurso de tomada de posse, de que os norte-americanos são os “cidadãos mais extraordinários da Terra, e que ninguém chega aos seus pés”, como se constata nos argumentos dos filmes. “O homem de fronteira apenas pode contar consigo para defender os seus interesses, com uma arma. Hollywood tem um caso amoroso com as armas, que massacraram grandes manadas de búfalos, o que levou a que os ameríndios morressem à fome”, afirmou.

“Na Austrália, é muito difícil encontrar registos contra os aborígenes. Houve um silêncio entre os que fizeram isso. Suspeito que o mesmo será verdade na África do Sul, em que há poucos registos sobre o número de indígenas que foram mortos. Acho que deve ser por vergonha”, disse J. M. Coetzee. “Para se justificarem, os colonos diziam que certas raças não estavam aptas para viver no mundo moderno, e não havia qualquer motivo para chorar por elas. Viver fora da lei contribui para ver o pior das pessoas.”

O autor de África do Sul confessou que a relação com os seus antepassados “não é empática, nem simpática”, por não conseguir entender, nem perdoar o seu “carácter exterminatório”, ao matarem homens, tornarem mulheres e crianças escravos, e obrigarem as pessoas que escaparam a fugir para as regiões mais inóspitas. “A população era atacada como se fosse vermes. Esta ofensiva é comum. Fizeram ao povo aborígene africano o mesmo que fizeram na América”, lamentou. A grande diferença é que os sul-africanos não têm orgulho nisso.

     Fonte: JP|GCI|CMO

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