Edição: 299

Diretor: Mário Lopes

Data: 2025/10/25

Opinião

Nas margens do Baça - Em memória de um ilustríssimo alcobacense, José Afonso Furtado

José Afonso Furtado

Alcobaça foi recentemente confrontada com o falecimento de José Afonso Furtado, uma significativa e inestimável figura da sua cultura. Cá nasceu e cá viveu uma parte substancial da sua juventude, tendo depois seguido para Lisboa, onde se licenciou em Filosofia pela Faculdade de Letras. Notabilizou-se nas áreas da fotografia e da literatura, tendo exercido influentes ministérios a nível institucional, como o de diretor da Biblioteca de Arte da Fundação Gulbenkian e o de presidente do Instituto Português do Livro, tendo também sido elemento fundamental do Conselho Superior de Bibliotecas e um dos fundadores do edificante projeto da Rede de Bibliotecas, integrando também a Comissão de Honra do Plano Nacional de Leitura.

Recordo-me dos nossos tempos juvenis, na tristonha e deprimente Alcobaça salazarista da década de 1960, perturbando negativamente a nossa geração, da qual o José Afonso foi um autêntico herói, pela sua determinação e ousadia, em tempos de alvorecer beatlemaniano em que ele era o único a evidenciar abundante cabeleira, sendo inúmeras vezes alvo de injúrias e perseguições por energúmenos locais em plena rua. A sua ida para novos horizontes confirmou essa sua coragem de enfrentar o futuro, quer como bibliotecário quer regressando à Universidade de Lisboa, onde lecionou Sociologia do Livro, tendo-se também evidenciado como pioneiro e perito na relação entre o livro e a era digital, tendo sido nessa qualidade que me recordo de um dos seus raros regressos a Alcobaça, quando em dezembro de 1998 conferenciou no Palacete Fonte Nova sobre O Livro e as Novas Tecnologias Digitais.

No universo da fotografia revelou também o seu olhar culto, inteligente e muito pessoal, tendo exposto individualmente em relevantes acontecimentos fotográficos nacionais e também em cidades como Londres, Paris e Roterdão. Realizou o Curso de Formação do Instituto Português de Fotografia, entre 1981 e 1984, onde foi responsável pela cadeira de História da Fotografia, tendo também publicado em livro monografias e catálogos.

Muito mais haverá a recordar de uma personalidade culta e sensível como o José Afonso Furtado, mas nunca conseguirei esquecer as atenções que teve para mim, lembrando muito especialmente as várias vezes que o convidei para a apresentação de meus livros em Lisboa e ele me agradeceu sempre com um postal da sua lavra, concebido sobre uma belíssima foto de sua autoria. Acho curioso que Alcobaça continue a não dar a devida atenção a este seu ilustre filho que, em 2010, foi considerado pela revista Time uma das pessoas mais interessantes na rede social então chamada Twitter. Questões de facto ou de feitio?

José Alberto Vasco
     Escritor

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