Opinião
Paixão do Tango dança-se ao vivo e a cores na Nazaré
2025-11-30 11:28:30

José Alberto Vasco
Sob o título Flamenco Passion, o Cineteatro da Nazaré acolheu em 30 de novembro do ano passado um espetáculo que ficou no ouvido e na retina de quem a ele assistiu, completamente seduzido pela arte dos 4 músicos e dos 2 dançarinos em palco, naquele que foi certamente um dos mais inauditos e entusiasmantes espetáculos apresentados neste distrito em 2024, juntando em palco o dramatismo, a sensualidade e a intensidade da dança flamenca e uma hipnotizante sonoridade em que elementos caraterísticos do flamenco fluíam consolidados em sonoridades latinas e balcânicas, seduzindo literalmente o público que lotou a sala e saiu para a rua a pedir ainda mais.
Esse desejo do público nazareno, e não só, vai ser agora correspondido em grande estilo, na noite de sábado, 6 de dezembro, com o Cineteatro da Nazaré a abrir agora as suas portas para a música e a dança argentina, apresentando o apologético espetáculo Tango Passion, que terá em palco o versado quarteto do bandeonista argentino Walter Hidalgo e um par de eloquentes dançarinos, celebrando a elevação do tango a património cultural imaterial da humanidade, atribuída pela UNESCO em 2009.
O tango consolidou-se tipologicamente no início do século vinte, conquistando o mundo com a sua sonoridade única, sensual, boémia e nostálgica, transmitindo o calor da alma portenha através do seu ritmo definido e singular, enquadramento sonoro que neste caso dinamiza a complexa e demarcada coreografia do insinuante casal de bailarinos em palco, exaltando a sensualidade, drama, paixão e intensidade dos movimentos que o ritmo musical sincopado intensifica, num percurso sonoro de notas tocadas num tempo fraco que se prolonga até um tempo forte, acentuando o ritmo acelerado do bater do coração e a evasão dos sentidos.

Flamenco Passion
Entre outros, celebra-se neste espetáculo o histórico e determinante Astor Piazzolla e o seu icónico e inovador Libertango, não se deixando também de prestar homenagem aos mais tradicionalistas, através da incontornável La Cumparsita, de Gerardo Rodriguez, entre composições de outros vultos da História do tango, que o poeta argentino Enrique Discépolo sabedoramente definiu como “um pensamento triste que se pode dançar”, e que nós mesmos podemos considerar como uma música de voluptuosidade vinculada de dois corpos enlaçados pela paixão e pelo desígnio do instante, numa nostálgica dança de emoção e arrebatamento.
Aquilo que viria a designar-se por tango começou por ser dançado apenas por homens, aquando do seu despontar nos bares e cafés licenciosos de Buenos Aires e Montevideo, durante as duas últimas décadas do século dezanove, sendo dominado por letras masculinas e machistas. Posteriormente, as mulheres acabariam por desempenhar múltiplos papéis na arte do tango, seja como intérpretes, dançarinas, coreógrafas ou compositoras, transformando-se em parte íntegra e atuante da sua evolução, com a expressividade feminina a conquistar maior destaque através da própria dança, assumindo o seu encanto de transmitir emoções sem palavras.
Pode, todavia, assegurar-se que a presença feminina neste culto de envolvimento e paixão começou antes mesmo do surgimento do género, dado que a primeira mulher a compor tangos, Eloisa D’Herbil de Silva, nascida na andaluza Cádiz, chegou a Buenos Aires em 1868, uns bons anos antes do seu caraterístico ritmo começar a ganhar espaço nas casas de reputação duvidosa das margens da capital argentina, sendo, curiosamente, uma pianista e compositora que chegou a ser aluna de Franz Liszt.

Tango Passion vem ao Cine-Teatro da Nazaré no dia 6 de dezembro
Nessa época mereceu também destaque a argentina Maria Luisa Carnelli, escritora, jornalista e poetisa, nascida em La Plata, em 1898, que foi também letrista de tango, inclusivamente gravada pelo imortal Carlos Gardel, sendo a partir daí desventuradamente resultante que nesse tempo fossem induzidas a apresentar essa sua envolvência criativa sob pseudónimo masculino.
Ao longo desta tão aguardada performance no Cineteatro da Nazaré, é certo e sabido que o quarteto de músicos e o par de bailarinos em palco genuinamente enfeitiçarão o público numa cristalina e instintiva viagem por essa época, pela sua música, pela sua poesia e pelo lascivo e entusiástico dançar do Rio de la Plata, das milongas de Montevideu e dos subúrbios de Buenos Aires, num espetáculo absolutamente a não perder, que certamente ficará no coração do público!
José Alberto Vasco

Comentários:
Maria Sobral Velez
Artigo muito interessante. Lamento ser impossível assistir ao espetáculo...