Edição: 281

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/4/24

Fotobiografia retrata a vida da colecionadora e comerciante de Alcobaça

Jorge Pereira de Sampaio publica livro de memórias dedicado à sua mãe

Capa do livro

O historiador e colecionador Jorge Pereira de Sampaio publicou um livro de memórias dedicado á sua mãe, Maria do Céu Pereira de Sampaio, recentemente desaparecida. “Pode assumir-se como uma fotobiografia por um lado, mas, por outro, tem testemunhos de uma série de pessoas que conheceram a minha mãe e que com ela conviveram”, revela. Maria do Céu Sampaio e o seu marido, Luís Pereira de Sampaio, foram proprietários durante cerca de meio século do café Tertúlia e colecionadores de faiança, tendo fundado, com o filho, a Galeria Conventual e o Museu da Faiança de Alcobaça.

O livro é bastante abrangente, mas está longe de retratar toda a vida da homenageada, segundo Jorge Pereira de Sampaio. “Tive uma prima que me disse que eu era o único que conhecia tudo o que estava neste livro, mas não conheço. Não conheço tudo o que está para trás antes de ter nascido. Conhecia os meus avós muito bem, mas não conheço o que está para trás”, admite.

“Por outro lado coloquei lá, e saliento, um texto de um intelectual do Porto, chamado Alexandre Subtelo Sá, que é só meu amigo nas redes sociais há muitos anos, mas que vinha muitas vezes ao Tertúlia. Era amigo da minha mãe e conversava muitas vezes com ela. Chegou a dizer-me que a minha mãe era uma embaixadora da Virgínia Victorino extraordinária. Nunca tinha pensado nisso, mas a minha mãe, quando vinha a Alcobaça alguém interessado na autora de “Namorados” (1918), falava com as pessoas sobre ela e salientava na Virgínia Victorino, com muito gosto, os seus lados transgressores, como, por exemplo, o fumar à janela. O que mostra e comprova uma tolerância que ela e o meu pai sempre tiveram e que vai na sequência de terem permitido fazer reuniões que eram clandestinas antes de 1974”, revela

“Nunca soube destas reuniões, os meus pais nunca falaram neste assunto. Só vim a saber numa tertúlia há uns anos, porque alguém o referiu. Na altura, perguntei à minha mãe se não tinham medo e ela disse que não e que para nós era importante ter todas as pessoas porque eram todos clientes. Essa tolerância, a abertura que sempre teve ao mundo, sendo uma mulher com a 4ª classe e vinda do campo, foi excecional, com tudo o que foram criando os dois no Tertúlia, enquanto espaço de tertúlia e conversas políticas”, adianta.

“Em 1975, era a casa onde iam os grandes políticos”, revela, “como depois as sessões que se vieram a fazer nos últimos 20 anos. A minha mãe foi a grande impulsionadora da Galeria Conventual. Com o génio que ela tinha, se não se tivesse entusiasmado com a ideia – que fui eu que propus-, aquele projeto nunca teria acontecido. O Ricardo Assis Cordeiro, que foi o primeiro artista que recebemos, referiu no texto que inaugurou a exposição, que a minha mãe acolhia extraordinariamente os artistas que não conhecia. Muitos vinham de Lisboa, não os conhecia, mas tocava as pessoas como um tiro, apesar de ser uma mulher autoritária”, revela.

“Se tivesse que definir a minha mãe, definia-a como autoritária mas também muito generosa. Um gesto de que eu terei muito orgulho em toda a minha vida, é que durante a pandemia, quando fazia muita falta ter um espaço para acolher os profissionais de saúde, a minha mãe foi logo peremptória a aceitar colocar os dois edifícios da Casa Amarela à disposição, mesmo havendo quem lhe dissesse que era um disparate e que iria ficar com as casas contaminadas. Por acaso, não veio ninguém, mas só ela ter lembrado que os profissionais de saúde precisam de nós e que nós precisamos deles a toda a hora, é algo que me orgulha muito”, sublinha.

“Tal como me orgulha quando em Alcobaça se pôs a Procissão do Senhor dos Passos na rua, 100 anos depois de ter sido interrompida após a implantação da República, também a mãe ajudou oferecendo o Pálio, no ano a seguir o Pendão, dois anos depois as Capas. Ofereceu tudo, aparelhou a procissão para esta poder ir para a rua. Tudo isto é muito revelador de uma tolerância e de uma maneira de estar próprias”, acrescenta

Recordo também, quando eu era adolescente, que um rapaz muito bem vestido que frequentava os nossos espaços gastava todo o dinheiro que o pai lhe dava, e era bastante, nas drogas. Uma dia, eu estava sentado na cozinha e chegou o rapaz a pedir uma sopa e uma bifana, mas a empregada alertou que ele há três dias que não pagava e perguntou se o devia servir. A minha mãe levantou-se, pegou numa bifana e aqueceu a sopa. Entretanto, o meu pai entrou, tiveram uma conversa e a minha mãe disse: “podia ser o teu filho”, o que fez o meu pai ficar de lágrima no olho.”

“Sendo uma mulher autoritária, que dizia tudo o que pensava, não tinha tabus de nada, não tinha medo de ninguém, sobretudo nos últimos anos, tinha essa parte muito generosa. No fundo, ela deixou um traço, com o meu pai, de uma vertente cultural muito interessante, que não é só local. O meu pai recebeu a título póstumo, em 2018, o prémio de colecionador do ano. Também o Museu é reconhecido a nível nacional e os meus pais sempre permitiram que os investigadores consultassem o acervo”, conclui.

De referir ainda que o livro não se encontra à venda, sendo distribuído apenas a familiares e amigos.

Comentários:

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Pedro Luís

Bonita e singela homenagem. Um bem haja ao Jorge! Que ele faça muitas e ótimas recordações de uso á sua vida em prol da recordação da sua mãe ;)

Jorge Pereira de Sampaio

Obrigado, Mário, pela bonita homenagem que deixa aqui à minha querida Mãe! Ela admirava muito todo o seu trabalho, pioneiro, com o seu Tinta Fresca e a sua brava equipa!

Valdemar J. Rodrigues

Uma grande senhora, que bem conheci, e uma excelente, além de oportuna, homenagem. Parabéns Jorge Pereira de Sampaio! E ainda as nossas sentidas condolências, pois infelizmente só tarde soubemos do falecimento da sua mãe.