Edição: 281

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/4/19

Padre Ricardo Cristóvão sugeriu alteração do texto da peça de António Patrício

Produtora acusa padre de Alcobaça de tentativa de censura na peça "Pedro, o Cru"

Elenco de “Pedro, o Cru” junto ao túmulo de D. Inês de Castro

Integrado na iniciativa “Palco no Rossio”, dinamizada pelo município de Alcobaça, o  Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça recebeu nos dias 9, 10 e 11 de junho, a peça de teatro “Pedro, O Cru”, de António Patrício (1878-1930), em estreia nacional. Encenada pelo batalhense Tobias Monteiro e produzida pela KBB – Kind of Black Box, com o apoio da DGArtes, a peça contou com a atriz Teresa Sobral, no papel de D. Pedro I, sendo esta a primeira vez que uma mulher interpreta o papel de um homem em Portugal. A peça levou os espectadores a circular por vários espaços do monumento como a Sala dos Reis, o exterior da Capela do Desterro, a entrada da Igreja e a zona envolvente ao túmulo de D. Inês de Castro.

Para Inês Silva, vereadora da Cultura do Município de Alcobaça, “Pedro, O Cru” é “uma peça surpreendente, quer pela forma como entra pelo Mosteiro quer como circula pelos diferentes espaços”, onde “os atores deixam as pessoas presas à interpretação” de “um texto muito interessante, uma versão diferente do que estamos habituados”, o que fez com que o espetáculo fosse “muito bem conseguido”.

Já Tobias Monteiro referiu ao Tinta Fresca estar “muito satisfeito” com o resultado final da peça, onde a “ideia de apresentar este tipo de textos nestes locais traz uma magia ao texto e a prova de que é possível está dada e isso viu-se pela reação do público no final”, que brindou os atores com uma demorada salva de palmas.

O encenador referiu que foi um desafio “contar estas histórias destes sítios, nestes sítios onde elas ocorreram”, deixando a porta aberta para que outros municípios e entidades “possam investir e produzir as histórias da sua região”.

“Pedro, O Cru” foi escrito pelo dramaturgo António Patrício e está integrado nas celebrações do Dia de Portugal. A peça conta a lenda da trasladação do corpo de D. Inês de Castro, de Coimbra para o Mosteiro de Alcobaça, onde se encontra ainda hoje, “numa versão centrada na obsessão de D. Pedro pela vingança dos assassinos da sua amada e pela crueldade da coroação da mesma”, revela a sinopse.

Produtora de “Pedro, O Cru” manifesta repúdio por tentativa censura da peça por parte do Pároco de Alcobaça

Cena da peça do dramaturgo António Patrício

A KBB – Kind of Black Box manifestou em comunicado o seu “repúdio” face à tentativa de censura do texto, “Pedro, O Cru” de António Patrício, por parte do pároco de Alcobaça, Ricardo Cristóvão.

O Tinta Fresca apurou que o momento que levou à discórdia foi o monólogo final da peça, junto ao Túmulo de D. Inês de Castro. A KBB pediu autorização ao Pároco para realizar a cena final com o recurso a audioguias, o que permitiria que a visita fosse feita em silêncio.

Ricardo Cristóvão considerou que o texto não estaria “adequado ao carácter sagrado do local, nomeadamente porque não serve para exercer ou promover o culto, a piedade e a religião. Além disso, veicula ideologias e conceções pagãs, não adequadas à santidade local. Recordo que nesta cidade, e em resultado das medidas do governo republicano liberal de que António Patrício foi membro, foram destruídos três templos cristãos, incluindo a igreja paroquial”.

Em resposta, a produtora garante que assume “o respeito por todas as religiões, porém, o ato de censura identificado nesta tomada de posição não deve ser tolerado por cidadãos livres e agentes culturais independentemente da sua fé sob a governação de um estado laico. Cabe-nos o dever cívico de alertar a comunidade para este facto e evitar que o mesmo se repita pois, passados 112 anos da Implantação da República, 221 anos do fim da Inquisição em Portugal, e quase meio século do fim da ditadura, atentados à liberdade de expressão, individual e artística, não são aceitáveis.”

“Apesar da tentativa de diálogo para encontrar uma solução junto da paróquia, a mesma não se mostrou disponível, apresentando ainda uma proposta de revisão do texto para que se retirassem algumas frases. Rejeitando qualquer tipo de desrespeito à liberdade de expressão e artística, o encenador apresentará o texto na íntegra, alterando o percurso de apresentação do mesmo de modo a não interferir com a vontade manifestada pelo Pároco de Alcobaça”, concluiu a KBB.

   Mónica Alexandre

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