Opinião
Guia Prático para Subir na Vida Sem Saber Fazer Nada
2025-05-28 23:27:59

Nuno Catita
Quer mandar? Nada mais fácil. Em Portugal, chega-se a um cargo político com três ingredientes simples: cartão partidário, talento para fingir que se ouve, e um sorriso tão vazio quanto as promessas em tempo de campanha. Ser um bom político? Já exige mais trabalho. E ser Presidente de Câmara, Junta ou até da comissão de festas do bairro, devia ser coisa séria. Mas neste país, basta parecer que se quer. E, às vezes, nem isso é preciso.
Nos bastidores da política local, muitos encaram a eleição como um chamamento divino. Acreditam que sentar-se na cadeira do poder é uma espécie de missão sagrada, e não uma função pública. Esquecem-se de um pormenor: a cadeira não é deles. Nunca foi. É da população. Mas pronto, basta ganhar umas eleições para se achar iluminado, e, já agora, automaticamente competente. Como se votos transferissem inteligência.
Ser Presidente de Câmara, por exemplo, não é vencer um campeonato de promessas e depois tirar quatro anos de férias remuneradas. É assumir um compromisso sério com todas as freguesias, mesmo aquelas onde se perdeu por goleada. É perceber que o concelho não acaba na praça central nem começa no café do costume, e que as freguesias não são extensões incómodas de um poder centralizador e paternalista.
Depois vem a escolha das equipas. E aqui é que a coisa descamba. Porque as equipas, em vez de se formarem com base em competência, formam-se com base em copos partilhados, favores antigos e militância cega. Colou cartazes? Dá um pelouro. Sempre disse “sim, senhor presidente”? Dá-lhe um lugar. Sabe pensar por si? Ui, perigoso. Pode fazer sombra. E a sombra é o pior inimigo dos autarcas que confundem protagonismo com trabalho feito.
Também há os que acham que mandar é mandar calar. Os que confundem liderança com autoritarismo, e gestão com gritaria. Rodeiam-se de figurantes que abanam a cabeça com entusiasmo, mas sem ideias. Tratam os Presidentes de Junta como funcionários e a população como um número no boletim eleitoral. Para esses, governar é um exercício de ego, não de responsabilidade. E escutar críticas? Só se for para responder com desdém ou ironia agressiva.
E se olharmos para Lisboa, o panorama não inspira mais esperança. O Parlamento está cheio de candidatos que tratam o cargo como almofada de segurança. A Assembleia da República virou incubadora de autarcas falhados. São os “deputados trampolim”, cuja missão é garantir um lugar onde cair se a corrida municipal correr mal. É o tal “Plano B político”, essa indecência travestida de estratégia: uma candidatura não como ato de serviço público, mas como investimento pessoal.
Os partidos, os “clássicos”, os do arco-da-governabilidade e do “nós é que sabemos”, andam em piloto automático. As mesmas ideias gastas, os mesmos nomes de sempre, os mesmos protagonistas reciclados como se fossem insubstituíveis. Em vez de se reinventarem, preferem sobreviver. E, nessa ânsia de autopreservação, perderam o contacto com a realidade. Com os eleitores. Com o país real. Depois espantam-se com o crescimento dos extremos, com a entrada da raiva no Parlamento e com o tom incendiário das novas vozes. Mas quem é que deixou o fósforo perto de um poço de petróleo?
A verdade é simples: enquanto os partidos tradicionais continuarem a tratar a política como um clube privado, onde os lugares se herdam ou se negociam, a frustração dos eleitores só vai crescer. E onde há frustração, há espaço para populismo. É um fenómeno tão previsível quanto evitável, mas para isso seria preciso mudar. E mudar dá trabalho. Mais vale repetir os mesmos nomes, repetir os mesmos erros, e culpar os outros pelo resultado.
Ser um verdadeiro político devia começar com uma pergunta simples: “Estou aqui para servir ou para ser servido?” Se a resposta não for clara, então o melhor é ficar quieto. No sofá de casa. Porque a política não é para vaidosos de cartaz , fomentar ambições pessoais e ganância. É para quem tem espinha, cabeça e consciência.
Não é fácil? Pois não. Mas quem quer o lugar, que o honre. Ou então que o desocupe, para dar espaço a quem, de facto, o merece. Já basta de amadores com cartão e profissionais da conveniência. E, sobretudo, já basta de fingir que está tudo bem. Porque não está.
Nuno catita
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