“Invasão por eucaliptos constitui o maior problema de Montejunto”
ALAMBI emite parecer sobre o Plano de Gestão da Zona Especial de Conservação da Serra de Montejunto
2025-07-30 13:47:10

Serra de Montejunto
Está em discussão pública até final do mês de julho o Plano de Gestão da Zona Especial de Conservação da Serra de Montejunto. 25 anos depois da sua integração na Rede Natura 2000, este sítio tem finalmente um Plano de Gestão. A Serra de Montejunto tem também o estatuto de Paisagem Protegida, estabelecido em 1999, mas, nestes 26 anos, nunca foi criado um Plano de Ordenamento e Gestão, como era suposto.
A Rede Natura 2000 de Montejunto e a Paisagem Protegida não são áreas inteiramente coincidentes. Enquanto a Rede Natura tem 3830ha, a Paisagem Protegida ocupa cerca de 4900ha, sendo que para além da PP ocupar maior área, não coincide com a Rede Natura em cerca de 200ha.
A ALAMBI – Associação para o Estudo e Defesa do Ambiente do Concelho de Alenquer saúda o ICNF por, 25 anos depois da inclusão da Serra de Montejunto na Rede Natura 2000, apresentar finalmente um Plano de Gestão. da Rede Natura e divulga o seu parecer sobre o mesmo.
A informação que o Plano apresenta sobre os extensos eucaliptais que povoam a Serra, não constitui uma surpresa, já que, basta uma observação atenta para concluir que a invasão por eucaliptos constitui o maior problema de Montejunto. O Plano apenas pormenoriza informação sobre a magnitude do problema.
Assim, ficamos a saber que em 2018 os eucaliptos ocupavam uma área de 865ha da ZEC, o que correspondia a 22,58% da área total desta Zona Especial de Conservação (ZEC), e que, esta área é anormalmente elevada, quaisquer que sejam os termos de comparação. Conforme atesta o próprio documento: «a representatividade dos eucaliptais na ZEC era superior àquela que era verificada, em 2018, na região Oeste e Vale do Tejo (19,2%), no conjunto da área terrestre da Rede Natura 2000 (2,6%) e em Portugal Continental (10,4%).» (Anexo 6, pág. 23)
Segundo a ALAMBI, isto significa que a área ocupada por eucaliptos na ZEC de Montejunto é quase 9 vezes mais levada que a média nacional da Rede Natura; mais do dobro da média do país e proporcionalmente mais elevada que na própria Região Oeste, que por si já é um mar de eucaliptos. Dito de outro modo, no essencial, a ZEC de Montejunto é um extenso eucaliptal.
Em 1995 a área de eucaliptos era já de 822,4ha, o que, apesar de constituir uma área muito elevada, não obstou a que no período de 23 anos que medeia até 2018, tenha sido registado um crescimento de pelo menos 42,6ha. Apesar de ter uma área de eucaliptos excecionalmente elevada para uma área protegida, não bastou à Serra de Montejunto beneficiar de dois estatutos de proteção – Rede Natura 2000 e Paisagem Protegida – para que a área de eucaliptos tenha continuado a crescer.
A maior parte da área da ZEC está localizada no município do Cadaval. Verifica-se que é sobretudo neste território da Serra que tem ocorrido a expansão da espécie. Ora é do domínio público que a área limite para plantação de eucaliptos neste município foi atingida há muito, pelo que é imperativo questionar se a expansão dos eucaliptos nesta ZEC ocorreu através de plantações legais, ou se foram plantações clandestinas, conforme tem ocorrido com grande parte das plantações de eucaliptos em Portugal, segundo reportes da imprensa.
Esta pergunta é respondida pelo próprio Plano, quando reconhece que mesmo após a revisão do Regime Jurídico da Arborização e Rearborização, realizada em 2018, que possibilitou ao ICNF interditar a plantação e ou replantação de eucaliptos dentro da Rede Natura 2000, foram efetuadas plantações ilegais na ZEC de Montejunto (Anexo 6, pág. 23). E enquanto a área de eucaliptos crescia, a área de matos decrescia (-6,9% entre 1995 e 2018), «a maior parte por conversão em florestas de eucaliptos» (Anexo 6, pág. 43).
Certamente nem todas as ações terão sido realizadas de forma ilegal. A partir de 1999, foi instituída a Paisagem Protegida, e, as plantações legais de eucaliptos em Montejunto realizadas de forma legal, terão contado, em nosso entender, com uma interpretação favorável da alínea g) do artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 11/99 que institui a Paisagem Protegida, e com pareceres favoráveis, nos termos da alínea g) do artigo 13.º deste mesmo Decreto.
É entendimento da ALAMBI que existiam mecanismos legais para travar a desmesurada expansão dos eucaliptos na ZEC de Montejunto, e, para além do laxismo das entidades fiscalizadoras, esta só foi possível porque contou com cumplicidade das entidades licenciadoras. A ZEC de Montejunto não é só um território com ausência de gestão, é também um território com ausência de fiscalização; apesar dos dois estatutos de proteção, é um espaço em roda livre onde cada proprietário faz aquilo que quer.
Tendo em conta o novo cenário criado com a revisão legislativa de 2018 que impede ações de rearborização com eucaliptos dentro da Rede Natura 2000, a prazo, os eucaliptais vão chegar ao fim da sua vida produtiva e, ou serão arrancados e reconvertidos, ou serão abandonados, tornando-se num fator agravado de risco de incêndio e de degradação ecológica, cenários cuja resposta não nos parece suficientemente trabalhada no Plano de Gestão.
No anexo 8 é previsto um conjunto de medidas específicas de conservação, mas, nenhuma medida que antecipe o modo como deve ser encarado o fim da vida útil dos eucaliptais. As medidas de sensibilização previstas em MC8 parecem-nos, por si sós, claramente insuficientes para enfrentar um problema desta dimensão.
Visto ser reconhecido que há eucaliptais plantados na ZEC de forma ilegal, propomos que o ICNF comece por rastrear a legalidade das plantações realizadas em Montejunto, face à desproporção da área ocupada por esta espécie, mesmo quando comparada com áreas sem estatuto de proteção.
“Para aplicação destas duas medidas – rastreio das plantações ilegais e reconversão das plantações em fim de vida produtiva – é necessário identificar as parcelas e conhecer os proprietários. Visto não constar neste Plano o parcelário da Serra, parece-nos ser da maior importância criar um novo anexo com o cadastro da ZEC, onde as parcelas e os respetivos proprietários sejam devidamente identificados”, refere a ALAMBI.
O ICNF ainda administra uma vasta área de baldios que a ALAMBI estima em cerca de 1500ha, a Câmara Municipal do Cadaval administra um vasto baldio que a ALAMBI estima em 800ha, e, os compartes do Cercal também administram baldios – fatores que facilitam o trabalho do ICNF – mas, existem dezenas de pequenas parcelas “encravadas” no interior dos baldios, cujos proprietários constituem importantes interlocutores neste processo de gestão.
O Plano de Gestão identifica também a existência de acácias no interior da ZEC, uma espécie exótica que se tem vindo a expandir. A AMAMBI esclarece que foram os Serviços Florestais que introduziram as acácias na Serra de Montejunto, ao plantarem 0,6ha desta espécie no sítio das Fontainhas, em 1939, junto ao pavilhão que servia de suporte ao viveiro (conforme atestam documentos daqueles Serviços). A espécie tem uma grande capacidade de propagação e tem vindo a expandir-se, ocupando atualmente 10ha. Parece justificado que o ICNF, sendo herdeiro dos Serviços Florestais, assuma o compromisso de reparar o erro cometido há 85 anos.
O pinheiro de alepo, que povoa uma área considerável da vertente Sul da Serra, é apresentado como uma espécie exótica invasora (Anexo 8, MC4) e, o Plano prevê a sua “erradicação onde for possível”. A ALAMBI esclarece igualmente que esta foi uma espécie usada em larga escala pelos Serviços Florestais na arborização das encostas de Cabanas Torres, Mogos, Pedreira, “Monte Santo”, Penha Ruiva, Furadouro e Penha do Meio-Dia, tendo provavelmente sido ali introduzido por aqueles Serviços.
Como é igualmente atestado por documentos oficiais, o pinheiro de alepo foi a terceira espécie mais usada no povoamento florestal de Montejunto, depois do pinheiro manso e do pinheiro bravo. Se o ICNF pretende agora a sua “erradicação onde for possível”, a medida não constitui mais do que uma correção do trabalho realizado pelos Serviços Florestais.
O Plano informa-nos que o pinheiro bravo é outra espécie em expansão na ZEC, por beneficiar da conversão de solos com usos diversos em áreas florestais.
Desde 1910, ano em que Montejunto entrou em Regime Florestal, os Serviços Florestais plantaram na Serra uma área de resinosas de aproximadamente 1500ha. A esta área, haverá que acrescer pinhais plantados por privados, pela Câmara do Cadaval no seu baldio, por compartes e por privados. Pois bem, segundo a ALAMBI, do conjunto de todas estas áreas, sobravam em 2013 uns meros 297ha de resinosas (Inventário inserido no projeto de Plano de Ordenamento e Gestão da PP Montejunto, 2013), tendo a restante área sido consumida por incêndios diversos, dos quais, só no grande incêndio de 2003 arderam 950ha.
Assim, verifica-se que os pinhais mais antigos foram consumidos por fogos diversos, e que surgiram novos pinhais noutras zonas. A expansão das resinosas em Montejunto constitui mais uma má notícia, tendo em conta o registo histórico de constituírem a principal fonte de combustível dos fogos que deflagraram na Serra.
A ALAMBI sublinha que a florestação das serras portuguesas levada a efeito pelos Serviços Florestais ao longo de décadas, essencialmente com resinosas, tornou-se numa das principais fontes de combustível que alimentam a época dos incêndios, insustentável nas condições climatéricas atuais e, mais insustentável ainda nos cenários climáticos que se desenham para o futuro.
Tendo em conta que eucaliptos e resinosas são as espécies mais ignífugas da floresta portuguesa e que estas constituem as duas principais espécies arbóreas que povoam a ZEC de Montejunto, teremos que considerar que, para além do “empobrecimento ecológico” que provocam, tornam Montejunto num território com alto risco de deflagração e propagação de incêndios.
Em contrate com estas espécies problemáticas, a floresta de folhosas autóctones ocupa apenas 46ha, a que corresponde 1,21% da ZEC e 5,32% da área ocupado por eucaliptos.
Com exceção de alguns hectares de souto plantados pelos Serviços Florestais e pelo ICN, esta área é constituída essencialmente por matas nativas ou fruto de autorregeneração. A principal mata de folhosas da Serra de Montejunto, o carvalhal dos Casais da Pedreira, já existia quando a Serra entrou em Regime Florestal e, os Serviços Florestais, limitaram o seu trabalho a medidas de conservação desta mata, removendo outras espécies do seu interior e atribuindo-lhe um estatuto de proteção.
Não se entende que o Plano de Gestão da ZEC (pag.6) estabeleça como meta “manter a área total ocupada pelos habitats” de carvalhais (Quercus faginea e Quercus canariensis, Quercus suber, Quercus ilex e Quercus rotundifólia), quando estas espécies ocupam apenas áreas residuais que perfazem somente 1,21% da ZEC.
O Projeto de Arborização do Perímetro Florestal da Serra de Montejunto, apresentado pelos Serviços Florestais em 1957, previa que 554ha de floresta de resinosas localizadas nas zonas mais baixas, com solos mais fundos, fosse percorrida por sementeira e plantação de folhosas. Lamentavelmente, este objetivo do projeto nunca foi cumprido. Por comparação com os objetivos ali estabelecidas, a meta do Plano de Gestão da ZEC para as folhosas é claramente insuficiente – uma irrelevância.
Assim, a ALAMBI propõe que a meta a estabelecer para as folhosas passe a ser “aumentar a área total ocupada pelo habitat” e que o ICNF retome no Plano de Gestão da ZEC os objetivos de reflorestação de 554ha de folhosas proposto no Plano de Arborização do Perímetro Florestal da Serra de Montejunto, datado de 1957.
Como objetivo de longo prazo, a área a florestar com folhosas deve ir muito além dos 554ha estabelecidos em 1957, visto o Plano de Arborização dos Serviços Florestais dizer respeito apenas aos 1565ha de baldios por si administrados, enquanto o Plano de Gestão agora apresentado diz respeito aos 3830ha da ZEC – uma área quase 2,5 vezes maior.
É conhecida a predileção do ICNF pela plantação de resinosas, tendo ainda recentemente plantado em Montejunto mais de uma dezena de hectares de pinhal – apesar de este não estar entre os habitats a proteger – sem que se tenha hesitado sequer em invadir com pinheiros áreas onde o carvalhal apresentava uma boa regeneração.
Para a ALAMBI. “o ICNF parece mostrar uma enorme nostalgia por aquilo que os Serviços Florestais fizeram de pior nas serras portuguesas, sem ter em conta que já na década de 1950 aqueles Serviços planeavam reconverter os pinhais de Montejunto em florestas de folhosas, mostrando um enorme avanço em relação ao que agora se continua a fazer.”
O Plano identifica diversas fontes de poluição na ZEC (anexo 6 págs. 38, 39), mas, minimiza o seu impacto, considerando que este território tem uma «influência bastante reduzida no contexto das massas de água superficiais ou subterrâneas da região». A ALAMBI nota ser evidente que as principais fontes poluentes dessas MA estão nos territórios adjacentes à Serra e não em Montejunto, mas, relembramos que nas imediações da ZEC existem três captações subterrâneas de relevância significativa, nomeadamente em Olho Polido, Ota e Alenquer, utilizadas no abastecimento público.
Acerca das duas últimas, tem sido referido em diversos documentos que o maciço calcário da Carapinha/Atouguia, onde estão instaladas, por si só, não constitui bacia de infiltração com área suficiente para alimentar os caudais ali produzidos, sendo levantada a suspeita de que Montejunto constitua também bacia de infiltração destes aquíferos. Assim, a importância da Serra de Montejunto como bacia de infiltração, parece à ALAMBi subestimada e eventuais focos de poluição ali identificados não devem ser subavaliados.
Síntese das propostas da Alambi:
1 – Tendo o Plano reconhecido a plantação ilegal de eucaliptos na ZEC, mesmo após 2018, propomos que seja rastreada a legalidade das plantações de eucaliptos em Montejunto.
2 – Tendo em conta a revisão legislativa de 2018, a prazo, os eucaliptais vão chegar ao fim da sua vida produtiva e, ou serão arrancados e reconvertidos, ou serão abandonados, tornando-se num fator agravado de risco de incêndio. Este aspeto não nos parece suficientemente trabalhado no Plano, visto não haver no Anexo 8 nenhuma medida específica que preveja o modo como deve ser encarado. Assim, propomos que seja especificada de modo objetivo uma medida que defina o modo como deve ser tratada a reconversão dos eucaliptais em fim de vida produtiva.
3 – O Plano não contém o cadastro da ZEC. Tendo em conta que os proprietários são parceiros essenciais para a gestão da ZEC, propomos que seja criado um anexo com o parcelário da Serra e a identificação dos respetivos proprietários.
4 – A floresta de folhosas autóctones ocupa apenas 46ha da ZEC, a que corresponde somente 1,21% da sua área e 5,32% da área ocupado por eucaliptos. A meta estabelecida no Plano de “manter a área total ocupada pelo habitat” parece-nos claramente insuficiente, pelo que propomos a sua revisão para “aumentar a área total ocupada pelo habitat”. A medida deve ser operacionalizada através da retoma do que está estabelecido no Plano de Arborização do Perímetro Florestal da Serra de Montejunto, de 1957, zonas a percorrer com folhosas e respetivas áreas – 554ha no total, para esta fase do Plano de Gestão.
5 – O ICNF plantou recentemente pinhal numa área onde o carvalhal apresenta boa regeneração. Propomos que este pinhal seja removido de imediato e relembramos que os Serviços Florestais, quando se instalaram em Montejunto e encontraram o carvalhal dos Casais da Pedreira, não o invadiram com mais pinheiros, como foi agora feito, mas removeram os cedros e pinheiros que existiam no seu interior e atribuíram um estatuto de proteção a esta mata.
6 – O Plano prevê um conjunto de medidas de gestão como a prevenção e controlo de espécies exóticas invasoras ou o reforço da fiscalização, mas, não objetiva com clareza o modo de concretização destas medidas nem as calendariza de modo claro. Propomos que a execução destas medidas seja planeada com maior objetividade.
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