Edição: 281

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/4/25

Opinião

Os erros do Governo, do Presidente e da Oposição unidos na gestão da pandemia

Mário Lopes

Desde dezembro de 2019 que a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2 tem provocado a maior crise sanitária do último século a nível planetário. Pelo menos 95 milhões de pessoas foram contaminadas com o vírus e 2 milhões de pessoas faleceram da doença COVID-19. Em Portugal o número de infetados ascende a 567 mil e o número de óbitos ultrapassa já os 9 mil.

Doença grave ou gripezinha?

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, foi duramente criticado na primeira fase da pandemia por classificar a COVID-19 como “gripezinha”, quando, sobretudo na Europa, já se contavam milhares de mortos e milhões de infetados.

Na verdade, embora atinja sobretudo as pessoas mais velhas, não é uma doença de velhos, já que pode atingir gravemente pessoas de todas as idades e com sintomas e consequências físicas muito variadas. Comparando com o vírus da gripe, o SARS-CoV-2 é muito mais contagioso, muito mais imprevisível e, sobretudo, muito mais mortal.

A indefinição sobre a eficácia da máscara de proteção: a maior falha científica do século

Na Ásia, primeiro, na Europa depois e no resto do mundo a seguir a receita contra o vírus foi a mesma da pandemia da “Gripe Espanhola” de há 100 anos: o confinamento e o uso de máscara.

Contudo, na Europa, já duramente atingida pela pandemia, surgiram dúvidas inesperadas sobre a eficácia do uso da máscara respiratória e vindas de onde menos se esperava: da classe médica e da própria Organização Mundial de Saúde.

Ora a máscara respiratória é um dispositivo médico centenário (já fora usada abundantemente na pandemia de Gripe Espanhola”) pelo que o desconhecimento revelado pela classe médica sobre o assunto tem de ser considerado o erro científico do século. Tanto a classe médica como a própria Organização Mundial de Saúde vieram garantir que a máscara não assegurava a proteção das pessoas e que poderia até ser um foco adicional de infeção!

A ignorância é tão escandalosa quanto é sabido que se fazem milhares de estudos e testes a todos os dispositivos médicos – alguns altamente complexos – não se compreendendo assim como é que – em mais de um século – nunca se fizeram testes a um dispositivo tão antigo e tão simples como uma máscara facial.

Certo é que a China, país de onde se supõe tenha nascido o vírus, adotou a máscara facial desde a primeira hora, a que se seguiram outros países europeus como a República Checa. E só perante o êxito deste país no controlo da pandemia, a OMS acabou por dar o dito por não dito e passou a recomendar o uso de máscara ao fim de vários meses de pandemia, seguida depois pela classe médica, que anunciara antes que a máscara cirúrgica apenas garantia que o paciente (da cirurgia) não seria infetado e não o contrário. A afirmação, concluímos depois, não resultava de qualquer estudo credível, mas de pura especulação. Muito mal ficaram na fotografia tanto a OMS como os cirurgiões que vieram a público garantir o que desconheciam.

Não me parece justo, contudo, que culpabilize a diretora-geral de Saúde por ter reproduzido as opiniões da OMS e dos médicos de Cirurgia: Graça Freitas é médica de Saúde Pública, não é cirurgiã nem especialista em testes médicos e, portanto, não pode ser responsabilizada por seguir as orientações da maior organização mundial de Saúde. Aliás, essa é a norma: as autoridades de saúde pública devem seguir as orientações da OMS, por se supor contar com a colaboração dos maiores especialistas do mundo. Portanto, Graça Freitas foi enganada pela OMS, como o foi toda a opinião pública.

Confinamento ou não confinamento?

O confinamento social para o combate à pandemia é uma medida extrema, não só porque prejudica gravemente as economias, como é completamente contranatura em temos sociais. O homo sapiens é um ser social que necessita das interações sociais para o seu equilíbrio emocional, mas também para as entreajudas nos mais diversos domínios: escolar, profissional, familiar, etc. Um confinamento social muito prolongado no tempo traria graves problemas a todos, com repercussões graves, primeiro nos domínios psíquico, mas depois em todos os outros domínios da nossa vida quotidiana. Ao fim de alguns anos de confinamento não seria de espantar se toda a sociedade entrasse em colapso.

Portanto, sendo uma medida contranatura, só é admissível por curtos períodos e a título excecional. O critério que tem sido adotado parece-me correto e razoável: o confinamento geral é a única solução possível quando os sistemas de saúde ficam à beira da rotura. A economia é sacrificada momentaneamente para salvar vidas. Como já verificámos, pelo exemplo de vários países, apesar de ser uma bomba atómica em termos económicos, o lock down não tem efeitos imediatos, demorando um a dois meses a produzir efeitos significativos na redução dos casos de infeção.

O confinamento português da primavera

Chegamos então ao caso português: será que este foi o critério adotado pelo Governo e pelo Presidente da República em março, quando decretaram o confinamento total em todo o País? Não, o próprio primeiro-ministro admite que o número de camas ocupadas com casos de COVID-19 nunca ultrapassou os 60% em março e abril.

Na minha opinião – expressei-a na altura – não se justificava uma medida tão extrema, com gravíssimas consequências na economia, sobretudo, sabendo que o problema iria demorar meses ou anos a ser resolvido, com a criação de uma vacina. Por isso, foi com estupefação que ouvi o primeiro-ministro afirmar, alguns meses depois do início do lock down, afirmar que “agora já sabemos as consequências que o confinamento tem na economia”. Ora, um primeiro-ministro de um País, ao mandar metade do país para casa, não pode ignorar que está a apertar o botão de uma bomba atómica económica. Mesmo sabendo que António Costa é jurista de formação e não economista, teria de ter a consciência deste ato que até o comum dos cidadãos poderia facilmente prever. E a equipa económica do Governo, a começar pelo Ronaldo das Finanças (Mário Centeno), com doutoramentos em Economia nas melhores universidades americanas, também não sabia que estava a premir uma bomba atómica económica?!

É certo que a maior parte dos países europeus optou pelo lock down, mas nos países onde a pandemia chegou primeiro e se alastrou rapidamente, como Itália e Espanha, esta era realmente a única opção, face ao congestionamento dos hospitais. Portugal, por ser um país periférico e por os clubes portugueses terem sido afastados precocemente das competições europeias de futebol, não contou com a importação de muitos contágios. Nada justificava que se gastassem todas as balas numa guerra económica que todos sabíamos iria ser longa e difícil.

Não colhe o argumento de que no início era tudo novidade e havia que prevenir, porque a pandemia chegou a Portugal com um mês de atraso em relação à Itália e com dois meses de atraso em relação à China, o primeiro país do mundo a reconhecer ter um coronavírus na sua comunidade. Portanto, quando chegou a Portugal já sabíamos como se transmitia, em grande parte, como se tratava e qual o grupo mais afetado (os idosos).

Nada justificava tamanha onda de alarme, cavalgada por um presidente da República assumidamente hipocondríaco e por uma opinião pública naturalmente pouco esclarecida. Não cabe ao povo ter obrigação de ser muito esclarecido, sobretudo tendo em conta a modesta literacia científica dos portugueses, mas aos responsáveis políticos exige-se outro nível de responsabilidade e se não têm a necessária literacia científica, não lhes faltam assessores qualificados para os informarem devidamente.

E, neste particular, todos estiveram mal: do primeiro-ministro ao Presidente da República, dos partidos da oposição (principalmente, PSD, BE e CDS). Vingou a ideia de que a pandemia era um assunto muito grave e, por isso, deviam ficar calados e apoiar tudo o que o Governo propusesse.

Ora, na minha opinião, deviam ter escolhido o caminho oposto: a pandemia é de facto, um assunto muito grave, mas, por isso mesmo, deviam procurar estudar o assunto até ao limite e não demitirem-se das suas funções de fiscalizar o governo e de proporem soluções alternativas. Apenas mais tarde, o PCP e a Iniciativa Liberal propuseram alternativas e, por isso, votaram contra o Estado de Emergência. E mesmo admitindo que o PCP e a IL também não se deram ao trabalho de estudar devidamente os assuntos, pelo menos tiveram o mérito de pensar pela sua cabeça e não deixarem passar de forma acéfala todas as propostas do Governo.

O argumento implícito dos deputados de que não são médicos, portanto, nada têm a ver com o assunto e devem assinar de cruz tudo o que se lhe põe à frente não colhe. Por essa linha de raciocínio, os deputados licenciados em Direito não se pronunciariam sobre assuntos económicos, os deputados médicos não se pronunciariam sobre assuntos europeus ou os deputados licenciados em Humanidades não se pronunciariam sobre as alterações climáticas. Um deputado ou governante tem de ter a capacidade de aprender e informar-se devidamente sobre os assuntos que não domina à partida.

Alguns bons exemplos na política europeia não faltam: Angela Merkl, a primeira-ministro alemã é Engenheira Química, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia,  é médica pediatra, Paulo Macedo, ex-ministro da Saúde, era economista e todos ficaram conhecidos por desempenharem bem as suas tarefas, tratando de assuntos que pouco ou nada dominavam inicialmente. Não sabiam, mas informaram-se, recolhendo as informações de que necessitavam junto dos entendidos nas diversas áreas. A grande maioria dos nossos deputados decidiu cruzar os braços e esperar que a pandemia passasse.

Por outro lado, nada nos garante que da parte dos especialistas (virologistas, infeciologistas, epidemiologistas, médicos de saúde pública, matemáticos da saúde) saiam apenas soluções acertadas. Basta recordar os que os ditos especialistas médicos disseram inicialmente sobre o uso de máscaras faciais para proteção do vírus SARS-CoV-2 (desaconselharam e até garantiram que eram contraproducentes). Concluindo, a saúde é um assunto demasiado importante para ficar em exclusivo reservada aos médicos.

Recentemente, um dos médicos que assessorou o primeiro-ministro na decisão de proceder ao último confinamento, declarou que optaram por não fazer um confinamento mais duro por duas semanas porque isso destruiria e economia! Obviamente, qualquer pessoa com o mais meridiano bom-senso perceberá que o atual confinamento light irá obrigar a ficar meses em vigor até produzir resultados palpáveis, com uma destruição da economia muito superior.

Seguramente, devemos ouvir os seus conselhos, os seus conhecimentos e as suas opiniões, mas as políticas de saúde são assunto de todos e todos os cidadãos se podem e devem pronunciar sobre elas. Até porque a pandemia não é apenas um problema de saúde, tem muitos outros assuntos associados, nomeadamente económicos, mas também, como vimos nos últimos 10 meses, sociais, educativos e ambientais.

Ouvir apenas especialistas em saúde em assuntos que extravasam largamente essa área, corre o risco de conduzir a decisões erradas. A gestão de António Costa desta crise, baseada em especialistas de saúde (e os psicólogos? E os sociólogos? E os antropólogos? E os gestores de empresas? E os especialistas em comunicação?) é um bom exemplo do método que não se deve seguir para resolver problemas complexos que afetam toda a sociedade.

O desempenho do primeiro-ministro na gestão da pandemia

Uma palavra também sobre o desempenho do primeiro-ministro sobre a pandemia. Ao contrário da maioria dos comentadores, que acham que tem tido um bom desempenho, eu entendo que tem tido um mau desempenho desde o início da pandemia e justifico a minha opinião.

Em primeiro lugar, o primeiro-ministro tem sempre afirmado que “temos de gerir dia a dia a pandemia” e repetido muitas vezes, depois de anunciar medidas por vezes gravosas em termos económicos e sociais, que “se não funcionar, teremos de adotar outras medidas”. Ora, estas afirmações provam claramente que António Costa anda completamente à deriva e não tem qualquer estratégia estudada para o combate à pandemia. Tudo é decidido em cada instante e em cima do joelho.

Como já referi, a primeira vaga da pandemia chegou a Portugal um mês depois dos outros países europeus do centro da Europa e mesmo a segunda vaga chegou duas semanas depois. Portanto, era absolutamente óbvio que o que aconteceu primeiro nos outros países viria a acontecer em Portugal: o vírus era o mesmo e os seres humanos também.

Na primeira fase, o Governo português mandou fechar lojas, centros comerciais, restaurantes, hotéis e outras empresas sem qualquer prova de que fossem locais de contaminação. Pior, fê-lo quando os níveis de contaminação eram extraordinariamente baixos e nada o justificava. Dir-me-ão alguns que seguiu o exemplo de outros governos europeus.

Acontece que Espanha, Itália e Reino Unido o fizeram por terem níveis de infeção extraordinariamente elevados e não tinham outra alternativa seção parar tudo. E já agora, convém explicar porque é que estes dois países foram tão severamente atingidos pela pandemia. Estes dois países tiveram jogos da Liga dos Campeões em março (Atalanta – Valência e Liverpool- Atlético de Madrid), com estádios cheios e já com a pandemia em crescimento acelerado.

Foram estes jogos e o facto de serem países com elevado tráfego de turistas e viajantes económicos que os tornaram um alvo fácil para a propagação do coronavírus. Portugal (que tem poucos turistas no inverno e, por estar na ponta da Europa, não é local de passagem para outros países além da Espanha) não teve nenhum destes fatores e, por isso, foi poupado às maiores consequências do vírus. Não foram António Costa (ou Marcelo Rebelo de Sousa) os responsáveis por qualquer “milagre português”, como nos quiseram fazer crer, mas as circunstâncias que acima referi.

Discordo totalmente de que houve um desconfinamento demasiado rápido em maio. Pelo contrário, considero que se demorou demasiado tempo a reabrir a economia, sobretudo, quando já era conhecidos os protocolos de segurança (nomeadamente, o uso de máscara facial, o distanciamento social e a desinfeção de superfícies com álcool-gel). Com os sucessivos adiamentos e hesitações na abertura do comércio e restauração levou à perda de milhares de empregos, fecho de lojas ou, igualmente grave, ao endividamento de muitas empresas que ainda hoje subsistem com balões de oxigénio, que irão rebentar mais cedo ou mais tarde.

E a prova de que o atraso na reabertura quase completa da economia (ficaram por abrir bares e discotecas) foi um erro e não teve qualquer justificação lógica é que durante todo o verão não houve qualquer aumento de casos de COVID-19. Portanto, as regras de prevenção da COVID-19 funcionam mesmo e salvam empresas e postos de trabalho. E se funcionam bem no verão, não há razão nenhuma para não funcionarem no inverno!

Em setembro, a pandemia voltou a aumentar, não só em Portugal como no resto da Europa. O que aconteceu? As proteções deixaram de funcionar? Seguramente que não. A verdade é que a transmissão de COVID-19 acelera com a multiplicação de encontros informais, com amigos ou familiares. E o regresso a casa depois das férias, antes das escolas abrirem, proporcionou muito tempo livre para encontros com amigos e familiares. Naturalmente, nesses encontros, a máscara está quase sempre ausente. Se são amigos ou familiares, são pessoas de confiança e, instintivamente, baixamos as defesas e contamos que não estão infetados. E como não há encontro familiar ou de amigos sem comer ou beber e não há máscara a proteger ninguém nestes momentos de convívio, as infeções são inevitáveis.

Em julho e agosto, os hotéis portugueses tiveram níveis de ocupação razoáveis, dadas as circunstâncias, mas, além de serem locais seguros por seguirem todos os protocolos de segurança sanitária, geralmente, é apenas a família nuclear que viaja nas férias de verão. Sem bares e discotecas abertos, pouco foi o convívio entre os hóspedes dos hotéis, o que explica o baixo nível de infeções no verão.

O mais grave erro de António Costa nesta pandemia foi ter desvalorizado o crescimento da pandemia a partir de setembro. No dia 14 de outubro, quando Portugal já ultrapassava os dois mil casos diários de infeções com o SARS-CoV-2, o primeiro-ministro decidiu limitar o número de pessoas em casamentos e baptizados a 50 pessoas!

Ou seja, apesar da gravidade da situação, continuou a permitir o ajuntamento de multidões, sendo ainda permitidas festas sem limite de convidados se estas já tivessem sido marcadas. Em Alenquer, chegou a ser anunciado um casamento com 300 pessoas, que se chegou mesmo a realizar! Tudo legal e com a bênção de António Costa que anunciou as medidas com um sorriso nos lábios e ainda se justificou de que tinha de dar um sinal à sociedade de que não se devia exagerar. Isto depois do próprio admitir que foram as grandes festas sociais (casamentos, baptizados e almoçaradas) o principal foco de contágio.

Nesta altura, já a pandemia grassava com números preocupantes em toda a Europa e nenhuma dúvida restava de que as ondas de infeção no centro da Europa rapidamente chegariam a Portugal. Foi assim na Gripe Espanhola, há 100 anos, foi assim na primeira vaga de COVID-19 na primavera de 2020 e seria assim em Portugal.

Nada disto demoveu o Governo Português de manter a circulação de pessoas, recusando-se a proceder a confinamentos, mesmo com 5 mil infetados por dia, quando obrigara os portugueses a confinar em março com 500 casos! O extraordinário argumento agora é que não aguentaríamos um segundo confinamento por ser muito prejudicial à economia.

As sucessivas restrições parciais impostas pelo Governo aos portugueses estavam, naturalmente votadas ao fracasso. No primeiro confinamento de março e abril, o confinamento foi total e mesmo assim os números demoraram dois meses a baixar. Portanto, todos sabíamos que, com números de infeções de 10 ou 20 vezes mais infeções, nada mais restava que adotar o mesmo modelo de confinamento total.

Por isso, foi totalmente incompreensível a declaração de António Costa, no dia 29 de outubro de 2020, de  que “estamos perante uma corrida de longo curso e, portanto, não podemos gastar todo o esforço nem todas as medidas nos primeiros momentos.”

Ora, não é preciso ter grandes conhecimentos de medicina para se saber que uma infeção aguda se trata imediatamente com um antibiótico de largo espectro, não se vai experimentar uns chás primeiro e só quando quando a temperatura ultrapassar os 40ºC se vai optar por meia dose de antibiótico específico e só se tiver de ser internado, se vai recorrer ao antibiótico de largo espectro. O melhor tratamento para a doença é matá-la à nascença, não prolongá-la no tempo com infusões e mezinhas, que foi a bizarra solução proposta pelo primeiro-ministro perante o silêncio cúmplice de toda a oposição e da comunicação social, sempre demasiado ocupada com casos e casinhos.

Se António Costa estava preocupado com a economia, não a devia ter mantido fechada em abril e maio, quando nada o justificava com 300 casos de infeções por dia e onde em 1/3 dos municípios do País não tinham um único caso de COVID-19! Não é agora com 10 mil casos novos por dia e mais de mil mortes por semana que a economia é prioritária. O primeiro-ministro teve agora de se desmentir a si próprio e impor um confinamento, ainda que light,  depois de garantir ao País que não o aguentaria e, inevitavelmente, terá ainda de o agravar.

As escolas abertas ou fechadas?

Começo por esclarecer que fui favorável ao encerramento das escolas em março e continuo a entender que não havia outra alternativa. Sem máscaras, com turmas superlotadas e sem protocolos de segurança, os surtos de infeções sucediam-se uns atrás dos outros e, se as escolas não encerrassem, rapidamente seriam um foco gigantesco de propagação do vírus, com pais já em pânico e a recusarem enviar os filhos para a escola.

Atualmente, já temos máscaras e protocolos de segurança e, nas palavras do ministro da Educação, “são um local seguro”. Na verdade, também aqui recuso que o normal funcionamento das escolas e universidades até agora seja um “milagre” ou fruto do extraordinário trabalho de professores, funcionários ou direções das escolas. É verdade que todos fizeram bem o seu trabalho, mas a reduzida propagação do vírus nas escolas – como noutras instituições – deve-se sobretudo à grande eficácia revelada pela utilização das máscaras faciais. Muitos são os casos de alunos e professores infetados que não infetaram os que os rodeavam.

Contudo, muito diferente é o comportamento dos alunos fora das escolas, em que o uso de máscara muitas vezes não é respeitado. Nos cafés, nos parques, nos becos, os jovens estão à vontade com os seus pares. Vinga o argumento de que, se é amigo, não está infetado e a máscara é dispensável. Já vi turmas inteiras sem máscara, em grupo, à saída das escolas. Uns falam ao telemóvel, outros fumam, outros trocam carícias. Não são irresponsáveis, são apenas adolescentes a serem eles próprios.

Nos recreios das escolas, em grupo, as crianças também baixam as máscaras durante muitos minutos para comer ou beber e até partilham a comida. Não são irresponsáveis, são apenas crianças a serem elas próprias.

A partir daqui, o vírus encontra meio de propagação em meio escolar, em maior ou menor grau. Diz o primeiro-ministro que os presidentes das associações de pais e das direções escolares foram favoráveis à manutenção das escolas abertas. Mas o principal problema não é a maioria da comunidade educativa – alunos, pais e professores- que estiveram em análise nas reuniões técnicas. A gravidade reside no contacto dos jovens com os seus avós – e há milhões de jovens que vivem ou contactam diária ou regularmente com os seus avós – e no contacto dos jovens com pais (e professores) de risco.

Desde há alguns meses, circula na comunicação social a narrativa de que as aulas à distância são pouco mais do que inúteis e que há estudos que indicam que as aprendizagens que deveriam ter sido feitas na segunda metade do ano letivo 2019/2020 não se efetivaram. A isto, acrescentam que há alunos que não têm equipamentos informáticos em casa e, portanto, não puderam assistir às aulas. Em conclusão, garantem que o encerramento de escolas não é opção e que, a acontecer, haveria uma geração perdida, sobretudo os alunos mais desfavorecidos.

Vamos a factos. As aulas à distância não são inúteis e há muitos testemunhos de alunos que até preferiram as aulas à distância que as aulas presenciais. Ou porque estão no conforto da sua casa ou porque assim não têm outros colegas a distraí-los ou ainda porque acham mais cómoda a avaliação online, formativa ou de avaliação. Também há casos de alunos que não trabalhavam em ambiente de aula presencial e passaram a trabalhar e a enviar os trabalhos solicitados pelos professores. Portanto, a noção de que o ensino presencial só tem vantagens e o ensino à distância só tem desvantagens está longe de corresponder à verdade, não passando de uma caricatura da realidade.

Por outro lado, o ensino online e à distância é seguramente o futuro. Hoje mesmo, já há alunos que afirmam aprender mais pesquisando online que nas aulas presenciais e é desejável que assim aconteça. A internet corresponde hoje às antigas enciclopédias, com um inesgotável e valioso mundo de recursos educativos, nos mais variados temas. É lamentável que não se tenha utilizado a oportunidade criada por esta pandemia para desenvolver nos alunos o gosto e treinar a utilização destas ferramentas. Já hoje, há professores a treinar alunos mais jovens para a pesquisa de conteúdos educativos, com resultados prometedores. Não é deixando crianças e adolescentes abandonados na utilização de telemóveis, tablets ou computadores que se garante o seu futuro e a sua educação. Sem treino e acompanhamento pedagógico, crianças e adolescentes irão restringir o uso dos gadgets a jogos, redes sociais ou até utilizações impróprias, o que é de todo desaconselhável para o seu desenvolvimento harmonioso.

Relativamente aos jovens desfavorecidos, pergunto: o que é feitos das centenas de milhares de tablets e computadores anunciados pelo Governo há mais de seis meses? Seguramente, não é por falta de oferta no mercado que o Ministério da Educação não os adquiriu atempadamente como devia.  Por outro lado, recordo que há escolas que se mobilizaram no ano letivo passado para fornecer equipamentos informáticos a alunos desfavorecidos, por vezes, em articulação com câmaras municipais, juntas de freguesia ou associações, não tendo deixado nenhum aluno para trás.

Relativamente ao argumento do desconforto das casas de muitos jovens, lamento dizê-lo, mas essa falta de conforto também afeta muitas escolas, onde ainda recentemente milhares de alunos experimentaram temperaturas próximas de 0ºC dentro das próprias salas de aula.

Naturalmente, o ensino presencial tem mais vantagens, desde logo porque permite o ensino prático, fomenta a sociabilidade e permite um acompanhamento em tempo real do trabalho dos alunos, mas neste caso, a escolha é entre a vida (nomeadamente de avós e de pais ou professores com fatores de risco) e a qualidade de educação, não havendo qualquer dúvida de qual deve prevalecer. Não é por as escolas fecharem um mês que se perde uma geração de alunos, uma afirmação que não passa de um cliché de uma esquerda folclórica, desfocada da realidade. Se dúvidas houver, perguntem às crianças em causa se preferem perder umas aulas ou perder os pais ou avós!

Dado o nível brutal a que chegou a pandemia em Portugal, com todos os hospitais à beira da rotura, não me parece que haja outra alternativa a não ser o encerramento dos estabelecimentos de ensino, a exemplo do que aconteceu na primeira vaga, ainda que em circunstâncias diferentes, mas igualmente gravosas. A verdade é que o nível de contágio nas escolas, ainda que moderado, vem somar-se a números já exageradamente elevados de COVID-19 e é expectável que o número de infeções nas escolas comece também a escalar, com as turmas a serem enviadas para casa umas atrás das outras e a consequente perturbação nas escolas e nas famílias.

Poderia o Ministério da Educação ter minorado este problema se tivesse optado por um ensino misto – presencial e à distância – logo no início do ano letivo. Contudo, recusou a sugestão flexível defendida por muitos professores e diretores de escolas, de forma obstinada e incompreensível, dado ser perfeitamente previsível uma segunda ou terceira vaga da pandemia, como alertaram a generalidade dos epidemiologistas, que permitiria uma transição suave para o modo online, em caso de necessidade, pelo que agora Tiago Brandão Rodrigues apenas se pode queixar de si próprio.

Além disso, países mais desenvolvidos que Portugal – como Alemanha e Reino Unido – também encerraram as suas escolas e o ridículo argumento da “geração perdida” nunca se colocou. Pode Tiago Brandão Rodrigues afirmar que vamos ter uma geração perdida de jovens alemães ou britânicos só porque fecharam as suas escola ao ensino presencial algumas semanas ou meses?

Há ainda um fator adicional a favor do encerramento das escolas. Na primeira vaga, os portugueses tiveram muito medo de uma pandemia nova de que nada sabiam, na segunda vaga perderam o medo, sobretudo, os não idosos, porque perceberam que dificilmente a sua vida estariam em risco. Com mais de dois milhões de pessoas na rua, a perceção de normalidade vai continuar a ser o padrão para os portugueses e mais difícil será interiorizarem de que devem confinar. Recordo que o confinamento é um ato não natural, contrário à natureza humana e, como tal, de difícil materialização. O medo é o cimento do confinamento, sem o medo ninguém convencerá as pessoas de que “devem recolher ao seu domicílio.” Nem multas a dobrar nem a polícia que, por sinal, tem mais que fazer na sua missão de assegurar a segurança pública.

Concluindo, na minha opinião, António Costa conduziu de forma errada a gestão da pandemia desde a primeira hora, mesmo admitindo que foi mal assessorado por Marcelo Rebelo de Sousa e por alguns técnicos de saúde e, por isso, não é o único culpado. Na primeira vaga, sobrevalorizou a questão da saúde e desvalorizou a economia, sem justificação plausível, dado o baixo nível atingido pela pandemia. Na segunda vaga, sobrevalorizou a economia e desvalorizou a saúde, também sem qualquer racionalidade, dados os níveis alarmantes da doença neste momento.

Recorrendo à fábula, podemos dizer que, na primeira vaga, o Governo assustou-se e usou um canhão para matar um pardal e vangloriou-se do feito a que chamou “milagre português. Contudo, apercebendo-se dos estragos provocados pelo canhão, decidiu que nunca mais o usaria. Na segunda vaga, decidiu então usar uma fisga para enfrentar o avanço descontrolado de um rinoceronte e quer-nos convencer que tudo está controlado. Pelo menos, enquanto houver postigos para fechar.

  Mário Lopes

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