Edição: 286

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/9/15

Alenquer

Monumento Natural do Canhão Cársico de Ota está a celebrar o terceiro aniversário

A Serra de Ota é um território baldio com cerca de 400 hectares que em 1911 foi retirado ao usufruto da população local e entregue à gestão dos Serviços Florestais, entrando assim em Regime Florestal Parcial. Esta medida foi tomada na sequência de idênticas decisões aplicadas a outras serras baldias nacionais (Montejunto entrou em Regime Florestal em 1910), com que se pretendia regenerar a floresta portuguesa e aumentar a produção de madeira, criar solo, melhorar a retenção de água e regularizar o ciclo dos caudais dos rios e ribeiros.

Na verdade, por essa altura a floresta em Portugal estava reduzida a quase nada, depois dos intensos abates de arvoredo que vinham sendo realizados pelo menos desde a Idade Média, para criar campos agrícolas necessários à alimentação de uma população crescente, produzir madeira para a construção naval, para a construção de habitações, para a aparelhagem de moinhos e lagares, pipas e tanoaria necessárias a um país vinícola, para além de produzir lenha, que constituía o combustível doméstico e industrial corrente.

Por outro lado, os bosques eram o refúgio de animais selvagens que amedrontavam a população e predavam o gado doméstico. E o povo não hesitava em deitar-lhes fogo, se necessário fosse, para afugentar essas perigosas feras, como relata o pároco de Ota nas Memórias Paroquiais de 1758, sobre o que aconteceu nesta Serra.

«Esta mata em algum tempo se compunha de grossos matos silvestres e bastantes loureiros, e figueiras, que os antigos enxertavam de várias castas, e hoje se acha só com os penedos, e penhascos de grande altura; nos quais se criavam várias aves a saber: corvos, bufos, grinchos, que são umas aves tão grandes, e fortes que levam nos pés para os filhos, perus, cabritos, coelhos, lebres e raposas. E nas raízes destes penhascos se criavam em covas muito lobo, raposas, texugos, que faziam muita perda a estes lugares circunvizinhos assim nos gados como nos frutos; e esta foi a razão de se lhe terem queimado os matos.» (Pe. José Eduardo Martins, Alenquer 1758, O Actual Concelho nas Memórias Paroquiais, arruda editora)

Assim, as matas de pinheiros que hoje constituem o principal coberto florestal na Serra de Ota, não são as matas nativas da floresta portuguesa, nem tão pouco constituem um sucedâneo destas; essas matas, como se depreende do excerto do pároco local relatado acima, foram destruídas e já nem existiam em 1758. É de presumir que em 1911, quando entrou em regime florestal, esta Serra estaria despida de arvoredo, como estava a Serra de Montejunto e muitas outras serras portuguesas. As matas que atualmente existem na Serra de Ota, são, pois, o fruto do trabalho de engenharia florestal que os Serviços Florestais, primeiro, e o ICNF, depois, ali realizaram nos últimos 110 anos.

As espécies arbóreas nativas dominantes da floresta portuguesa são as quercíneas, compostas por carvalhos diversos, sobreiros e azinheiras. Todavia, os Serviços Florestais, quando se instalaram nas serranias portuguesas, fosse por se terem deparado com acentuados processos erosivos e grande falta de solo, fosse pela experiência desenvolvida com grande sucesso na florestação das dunas litorais com pinheiros – de que o Pinhal de Leiria constitui ex-libris – fosse pelas aprendizagens realizadas no estrangeiro pelos primeiros engenheiros florestais portugueses, optaram por plantar espécies resinosas em vez de plantar as espécies folhosas nativas.

Na verdade, com a política de arborização seguida pelos Serviços Florestais, foi criada em Portugal, na primeira metade do século XX, a maior área contínua de pinhal da Europa. Outrora cobertas fundamentalmente por carvalhais, as serras portuguesas transformaram-se então num imenso pinhal, que haveria de constituir o cenário perfeito para os grandes incêndios que surgiram décadas mais depois.

A debilitação dos Serviços Florestais, ocorrida mais tarde e a consequente incapacidade de levar a efeito a reconversão desses imensos pinhais em florestas de folhosas; o desenvolvimento da indústria de celulose e a plantação de grandes manchas contínuas de eucaliptais, criaram o cenário perfeito para os grandes incêndios de verão que, entretanto, passaram a constituir uma tragédia nacional. Resinosas e eucaliptos são hoje as espécies que mais ardem. O imenso pinhal criado pelos Serviços Florestais nas serranias portuguesas, constitui atualmente um dos grandes problemas da floresta nacional.

Nos últimos anos os pinhais da Serra de Ota também não foram poupados ao deflagrar de focos de incêndio. Na verdade, o pinhal aberto e o vasto capim que cresce no seu interior, constituem fatores de elevado risco de incêndio e, tem valido a esta Serra estar localizada numa região urbana, cercada de corporações de bombeiros com grande disponibilidade de meios, que ali acorrem com grande prontidão sempre que há fogo e não têm permitido que os incêndios alastrem.

Canhão Cársico de Ota

Numa zona de pinhal com alguns hectares, situada quase junto ao cruzamento com o Bairro, ardida em 2017, voltou a germinar uma densa vegetação de pinheiros a partir das sementes libertadas com o fogo, e cresciam juntamente com carvalhos, azinheiras, sobreiros e arbustos diversos. Os pinheiros, de crescimento mais rápido, iriam sombrear e impedir o crescimento das folhosas. A densidade de pinheiros era tal que, em breve, o risco de incêndio voltaria a ser enorme. Pois bem, a Direção do Monumento Natural procedeu ao desbaste dos pinheiros em grande parte desta parcela e, com isso, deu às folhosas a possibilidade de crescer, ocupar o espaço e criar uma mata que irá constituir um sucedâneo das matas nativas, com elevada resiliência ao fogo.

Segundo a Direção da Alambi, “logo ali ao lado, onde não foi feita esta gestão, os pinheiros crescem lado a lado, amontoados, como fósforos prontos a arder. O contraste é evidente. O trabalho realizado pela Direção do Monumento Natural constitui um bom exemplo da gestão florestal que é preciso realizar na Serra de Ota e nas matas portuguesas.”

Fonte: ALAMBI
5 de outubro de 2022

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