Edição: 281

Diretor: Mário Lopes

Data: 2024/4/20

Opinião

As Grandes Mulheres

Nuno Catita

A Benedita é uma terra feita pelas suas gentes, pela força e necessidade de alternativa aos solos duros, empedrados e pouco dados a uma agricultura pouco maior que a de subsistência, e que aproveitou o seu dinamismo para apostar na indústria e na agropecuária.

Foram duas atividades económicas que se complementaram, cresceram a par, tornando esta zona conhecida pelas suas carteiras e cintos, pelas botas e sapatos, pelas facas e pelos canivetes, pelo lancil e pela calçada e… pelos porcos. Brincava-se com a forte atividade de agropecuária na região, dizendo-se que, mesmo de olhos fechados, sabiam que tinha chegado à Benedita. O cheiro provocado por esta atividade era de facto uma constante.

Certo é que a economia foi crescendo nos anos 80. As fábricas de calçado nasciam a cada dia e apostaram fortemente na exportação, a marroquinaria mantinha a sua capacidade de produção, a cutelaria em crescimento e a transformação da pedra a evoluir para patamares muito diferentes da extração de blocos e calçada.

A força de todo este dinamismo não terminava no empreendedorismo dos empresários, o querer era transversal a todos. Apitavam as fábricas o, quase saudoso, apito das cinco e meia e era ver as motorizadas e os carros a toda a velocidade. Era tempo da segunda ocupação. Tratar da meia dúzia de porcos, das galinhas e dos coelhos que criavam e vendiam e que lhes permitia um segundo salário, que poupavam para assegurar a continuação dos estudos dos filhos.

Naqueles anos de 70, 80 e 90 ainda muitas das mulheres ficavam em casa. Não em casa só para cuidar dos filhos, de cuidar da casa e das refeições. Eram o suporte das economias da família. Eram elas que cuidavam das criações de animais que existiam até o marido chegar para o trabalho de maior esforço físico. Eram elas que ficavam em casa a coser sapatos que os fabricantes deixavam no dia anterior e vinham recolher no dia seguinte. Esta foi uma das formas que a indústria do calçado encontrava para ultrapassar a falta de mão-de-obra e, simultaneamente, criar rendimento junto das famílias. Aquelas mulheres, esposas e mães, conseguem tempo para tudo. Os homens, os maridos, os pais, entravam às sete e meia, levavam o almoço preparado na noite anterior e saíam às cinco e meia. Quando chegavam já elas tinham ido à reunião de pais na escola, já tinham acompanhado os trabalhos de casa dos filhos, tratado das refeições, cuidado da casa, tratado dos animais e cosido dezenas de pares de sapatos.

O tempo foi alterando a história. A mulher tem hoje (quase) a mesma oportunidade de emprego. Já pouco ou nada de animais são criados por casa. Já poucas fábricas utilizam esse sistema de coser sapatos.

Agora com maior dedicação à carreira profissional continuam a ser elas que mais se dedicam no acompanhamento da educação dos filhos, com a alimentação e a casa. E conseguem. E a sua organização do tempo torna-o quase infinito.

Se esta terra é o que é, muito se deve a este esforço, a este sacrifício que as mulheres sempre fizeram. Num mundo ainda muito machista nos dias de hoje, e muito pior no século passado, fizeram jus ao ditado de “atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. Ali, muitas vezes à sombra do marido, a mulher foi e é sempre o equilíbrio e, muitas vezes, o sustento principal da família.

Não se trata de compensar nada. Quem se esforça e faz tem a sua compensação nos resultados, mas seria tão bonito uma homenagem à mulher numa das rotundas em construção na Estrada Nacional 1.

Uma mulher com os filhos por perto e a coser sapatos… era perfeito e merecido.

     Nuno Catita

Comentários:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artur Figueiredo

Coser sapatos era um clássico há muitos anos e as mulheres eram quem mais se dedicavam a esse serviço, uma bonita homenagem.